Um erro comum entre incorporadoras ao contratar serviços de design é não ter uma estratégia de posicionamento clara para o produto. E isso acontece de forma recorrente, mesmo entre aqueles que estão há anos lançando projetos.
O fato é que a prioridade inicial limita ou amplia suas possibilidades. Essa preocupação costuma ser os canais de venda, o preço e, claro, o lucro em que todo esse esforço vai resultar. E não há nada de errado nisso. Mas, a falta de pensamento estratégico sobre o posicionamento do produto faz com que ele chegue “já resolvido” ao designer.
Isso limita o pensamento do produto ao projeto arquitetônico, pré-definido pelo arquiteto. Não estou dizendo que o profissional de arquitetura não seja competente no que faz, muito pelo contrário! Ele é uma peça fundamental em traduzir no produto a estratégia pensada para ele.
A questão é que não há como ajustar o produto para um determinado perfil de público ou um posicionamento mais interessante para a equipe comercial depois do projeto concebido. Nesse momento a tarefa do designer e resume a levar adiante o que de bom já foi criado.
Um produto precisa ter um diferencial relevante e não, não é a “qualidade”
Inventar algo não é um caminho ético – não se pode prometer algo que não vai ser entregue – e o esforço em destacar diferenciais que podem ser considerados apenas “comuns” costuma ser pouco efetivo.
Pensa aqui comigo: o que torna um produto interessante pra você? Qualquer produto de qualquer setor ou segmento, o que faz ele ser atraente e desejável? O que faz você colocar o preço numa posição secundária no seu processo de decisão? Qualidade, sustentabilidade e até mesmo tradição são considerados itens obrigatórios nos dias de hoje.
Algumas possibilidades para se diferenciar podem ser:
Conexão: A conexão com o seu jeito de ser e ver o mundo, o produto estar conectado com o seu estilo de vida.
Crenças: Um alinhamento entre o produto e com o que você acredita ser o certo, seus valores, sejam eles algo relacionado à preservação da cultura ou do meio ambiente, por exemplo.
Representação: O produto ter o potencial de te representar como indivíduo, ser capaz de complementar sua identidade pessoal.
“Questionar e trabalhar a estratégia antes mesmo de chegar ao design é importante para trazer clareza a todos os envolvidos no projeto.
O momento certo para estratégia e design
Questionar e trabalhar a estratégia antes mesmo de chegar ao design é importante para trazer clareza a todos os envolvidos no projeto. Não significa que o produto vá encalhar se você não o fizer, mas certamente vai ser necessário gastar mais com campanhas de marketing durante sua divulgação e, possivelmente, por mais tempo, resultando em um esforço de venda maior.
Isso acontece porque o produto cai na zona do lugar comum, na armadilha que chamamos de “comparação racional”, algo que os consumidores fazem quando não encontram outros motivos pra compra que não analisar as características físicas – leia-se “memorial descritivo” – do empreendimento. Qual o padrão construtivo? Tem áreas de lazer? Quantos banheiros? E box na garagem?
Essas características costumam ser descrições de materiais, de técnicas construtivas, das comodidades do bairro, itens que não apelam pra emoção e são puramente racionais, muitas vezes sugeridas pelo próprio mercado.
“É preciso ir além pra chegar a uma oferta realmente diferenciada.
A pesquisa com corretores locais costuma indicar essas melhores práticas e é super importante que seja feita, mas não serve pra diferenciar o seu produto imobiliário, e sim pra entender o que ele deve oferecer de forma obrigatória: vidro duplos, esquadrias em pvc, piso em porcelanato, automação residencial, um condomínio com mais amenidades ou mais básico e barato.
Todas essas necessidades podem ser respondidas com uma pesquisa rápida, que vai mostrar os itens que devem ser obrigatórios nessa oferta, mas é preciso ir além pra chegar a uma oferta realmente diferenciada.
O que torna a oferta realmente diferente?
Um diferencial realmente estratégico distancia a comparação por características racionais do produto e dá ao consumidor um motivo para prestar atenção no que de mais interessante tem na nossa oferta, e esquecer a do concorrente. Em outras palavras, diferenciação vende!
Esse diferencial não pode ser algo inventado do nada, claro, e também não existe uma fórmula pronta pra criar ele simplesmente porque a localização muda, as possibilidades construtivas da região mudam, às vezes um condomínio obriga o empreendimento a seguir um determinado caminho.
É importante entender ainda que não falamos de um diferencial único, mas de uma combinação de diferenciais que irão tornar a nossa oferta única! Percebe a diferença?
Para chegar até essa combinação realizamos um exercício criativo em que identificamos os benefícios que se conectam com o público-alvo e que vão além das suas características construtivas.
Trabalhar com um olhar para benefícios que apelam à emoção é uma estratégia eficiente, independente do produto ou do segmento. Emoção vende, mas poucos construtores experimentam abordagens assim, que vão além.
Se sabemos que é eficiente, porque não fazemos?
Minha opinião? Costume.
Existe uma necessidade de repensar o processo de criação de produtos imobiliários. De deixar de lado a ansiedade em ver o projeto ilustrado em 3D na tela e começar a pensar quais argumentos possuímos para tornar ele realmente uma oferta incrível em meio às demais.
Acontece algo muito parecido com projetos de identidade visual, acredite. Somos assertivos – nossa média histórica é superior a 95% de aprovação – justamente porque começamos com um bom briefing, questionando aspectos que muitas vezes são ignorados e trazendo o máximo de informação pra mesa.
E o mesmo deve acontecer com um produto imobiliário. Temos todas as respostas? Se não temos, não deveríamos buscar elas, fazer a pesquisa com corretores e ir além com análises de fora, buscando informações mais precisas?
Criando diferenciais estratégicos
Por aqui conduzimos workshops criativos para explorar potenciais benefícios que o produto pode oferecer, garantindo assim uma abordagem diferenciada e orientada ao cliente. De forma resumida, podemos pensar em três passos principais:
Fase de imersão: Antes de tudo, colocamos o cliente no centro da conversa. Quão bem conhecemos ele? Se não o conhecemos, como vamos propor um produto que ele vá dar valor e não comprar pelo preço?
Fase de análise: Com um olhar atento a esse perfil, o que o nosso produto proporciona ou pode vir a proporcionar de diferente pra ele? Aqui trabalhamos com uma régua de benefícios que explora, em um extremo, os mais racionais e, no outro, os emocionais. São eles:
- Benefícios funcionais: Aqueles que ajudam o cliente a resolver ou prevenir algum problema. Estes produtos não o definem, nem fazem ele se sentir especial, eles apenas cumprem uma função de minimizar riscos, evitar o desperdício ou facilitar a vida de alguma forma.
- Benefícios experienciais: São produtos que ajudam o público a vivenciar experiências positivas, a sentir prazer, vivenciar novas sensações e emoções ou criar algo novo.
- Benefícios sociais: Esse produto ajuda o público a se destacar em seu grupo social ou então a começar a fazer parte de um que deseja estar.
- Benefícios de auto-expressão: O produto pode ter a função de seu público a se expressar para o mundo. É sobre como ele quer ser visto pelas outras pessoas de dentro e também de fora do seu círculo social.
- Benefício de realização pessoal: Aqui o produto ajuda ele a se realizar pessoalmente, a se sentir bem consigo mesmo, a atingir todo o seu potencial, apreciar suas conquistas ou a viver em sintonia com seus valores e crenças.
Fase de definição: Dentre os benefícios identificados, por qual deles o cliente pagaria o valor que desejamos cobrar? Dá pra cobrar mais? É preciso ser mais acessível? Veja que, sem uma clareza sobre os benefícios não há como responder a essa questão e evitar o desalinhamento entre a oferta e a comunicação.
Antes de decidir por um ou outro diferencial é interessante ainda entender o quão diferenciado ele é em relação às ofertas dos concorrentes. Se é viável seguir com ele ou mais interessante estruturar a oferta sobre algum outro. Essa é a resposta mais importante e que direciona o restante de todo o projeto.
Inverta a dinâmica de criação
Não podemos esquecer que um arquiteto também é um artista, um criativo que tem um estilo próprio, gostos e preferências que serão, inevitavelmente, incorporados ao projeto. Será que o perfil dele está alinhado e será capaz de criar o que identificamos como necessário para diferenciar o empreendimento?
“Ao inverter a dinâmica de criação, a incorporadora ganha a capacidade de orientar com clareza e potencializa o sucesso de todo o projeto.
Perceba que, ao inverter essa dinâmica de criação, a incorporadora ganha a capacidade de orientar com clareza o caminho que esse profissional deve seguir em sua criação e potencializa o sucesso de todo o projeto!
O pensamento de design e uma estratégia de posicionamento do produto precisa ser o começo de tudo, não o meio ou o fim. Em seu próximo empreendimento, inverta essa relação.
Comece por uma estratégia e argumentos claros. Com eles o projeto arquitetônico ganha vida, o corretor entende o que deve vender e o design pode explorar fronteiras ainda mais criativas e diferenciadas para a comunicação do empreendimento. E o seu cliente, claro, fica com aquela sensação que tudo faz sentido, inclusive escolher a sua oferta e não a do concorrente.